Menstruada
Sim, nossa alma menstrua. A alma fica fértil - algum momento, a gente é capaz de procriar. E descobre que mamãe estava errada: virar mulher não é ter cólicas nem usar absorventes. Sem perceber, a gente dorme criança e encontra a calcinha da alma encharcada. A gente vai decidindo tudo: o financiamento do carro, o armário de seis portas, aquela viagem há tanto tempo desejada... Sem perceber, a gente vai aprendendo a optar, e descobrindo, aridamente, que tudo é um grande jogo de escolhas.
Permitir intrusos, aceitar ofensas, abaixar a voz, engolir a mágoa, aquele filho que não fizemos, o casamento que não teremos, o porre perfeitamente escolhido, o banho quente no dia ruim. A alma menstrua. Algum momento, a gente se dá conta de que somos responsáveis pelo que nos causam. È dolorido, sim. A gente acorda mais molhada, mais doída, mais distante. Mais serena. Mais presente. No presente. De repente, acordei assim.
Acendi uma vela de sete dias (nem sei se por superstição ou vontade mesmo de que as escolhas sejam iluminadas), coloquei o lixo para fora, tirei aquele cara do caminho, me perdoei pela boa esposa que não consegui ser, senti saudade de um beijo antigo e leve, vesti meu cachecol, escolhi esmalte novo, comprei pipoca com bacon, porque já não é mais possível culpar este ou aquele.
Dei-me conta das limitações que são tantas. Dei-me conta das escolhas erradas, repetidas vezes. Dei-me conta do cansaço que me causo, do sossego que não me permito. Dei-me conta de que, sem perceber, a alma menstrua. E a gente acaba com cólica de si mesma. Do que permitimos aos outros, do que não nos permitimos. Enquanto a vela queima, vou queimando decisões erradas. Mas no fundo, ainda alegre, porque cedo ou tarde, seria preciso que essa alma sangrasse...
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