sábado, 17 de maio de 2008

UM AMOR BOM

UM AMOR BOM

Eu me lembro da primeira vez que me apaixonei. Eu era adolescente, cheia de idéias mirabolantes na cabeça, entre elas, essa coisa do príncipe encantado. Provavelmente influência das novelas mexicanas que eu via e adorava ( e gosto até hoje, falem o que quiser ), e dos milhares dos contos de fada que meu pai contava pra mim. E de repente, ele apareceu ali, na minha frente - O Príncipe. Bonito, engraçadinho, simpático, inteligente, amável… Tudo de bom. Claro, me apaixonei, com todos aqueles sintomas de paixão. E, pra minha felicidade maior… Cheguei a namorá-lo. Fui feliz, feliz, feliz.

Duas, três semanas. Na primeira vez que ele me decepcionou, enjoei dele. E saí procurando outro que se encaixasse no meu sonho.

Seguiram-se a esse outros moços, sempre assim. Pareciam bons demais, mas com pouco tempo de convivência eu via o quanto estavam distantes do que eu achava que era um amor bom. E depois da minha indiferença, ou das grosserias exageradas deles, tudo acabava, sem grandes dores, sem grandes envolvimentos. Um amor bom, pra mim, era… Bem, eu me lembro que fiz uma lista. Uma lista de tudo que um amor bom tinha que ter, tinha que ser. Sei que guardei em algum lugar, mas estou com preguiça de procurar. O fato é que era uma lista grande, cheia de qualidades. Entre os adjetivos, constavam “carinhoso”, “legal”, “estudioso”, “honesto”, “fiel”, “bonito”, e entre as ações, algo como “que concorde sempre comigo”, “que tenha as mesmas idéias que eu”, “que goste de mim acima de tudo” e mais uma lista enorme. Em resumo, todas elas diziam o mesmo: um amor bom, pra mim, tinha que ser perfeito, ou mais, e essa perfeição toda tinha que estar ao meu dispor, 24 horas por dia. Se não fosse assim, eu não queria. É melhor nem fazer a conta de quantos príncipes eu afastei pensando que fossem sapos. E acho que eu só fui perdoada porque realmente não sabia o que estava fazendo… Tsc tsc.

Passou a adolescência, mas as dificuldades com os príncipes/sapos, sapos/príncipes não passaram junto. Quando amadureci um pouco mais, caiu uma ficha: essa história de príncipe encantado, talvez, assim, bem de leve, só funcionasse nas novelas, ou mais de leve ainda, fosse apenas uma metáfora que os contos populares acharam pra falar de amor. Amar de verdade era uma outra coisa, mais difícil que o “e foram felizes para sempre”, mas muito melhor. E embora eu não soubesse bem o que era essa outra coisa, passei a procurá-la.

Já que falei do primeiro, posso falar do último. O último homem que eu amei ( e ainda estou amando, admito ) é daqueles que dão um trabalho imenso. Complicadíssimo, complicadíssimo, complicadíssimo, enrolado, cercado de problemas. Não consigo entendê-lo, mas nem de longe, ele me deixa mais perdida que dondoca na periferia.
Quando pensava que tinha conseguido decifrá-lo, ou que já estava cansada dessa trabalheira toda que ele me dava… Lá estava eu pensando nele novamente, surpreendida por alguma coisa que ele diz ou faz, para o bem ou para o mal. É verdade que ele já queimou 80% dos meus neurônios que estavam reservados pra gastar com os homens. É verdade também que já me magoou, me fez chorar, foi malvado, insensível, egoísta. É verdade também que não tem muitos dos itens daquela listinha original. E em muitos momentos, me disseram, e eu mesma me disse, “Mafalda, Mafalda… Ele não é um amor bom pra você”. Mas acho que isso é um engano. Ele foi um amor bom pra mim porque me fez feliz. E foi meu príncipe durante o tempo que passamos juntos porque me ensinou a amar. E, pensando nele e no amor que eu tive antes dele, pensei na lista que eu faria hoje em dia dizendo o que é um amor bom.

Um amor bom é um amor que dá trabalho mesmo, que te cansa, que consome calorias e coloca sua cabeça, seu corpo e seu coração pra funcionar. Um amor bom te surpreende todos os dias, mesmo quando não faz nada. Um amor bom sabe ficar em silêncio, e te respeitar. Quando você está com um amor bom, tem aquele brilho nos olhos, aquele que você só consegue rindo muito… Ou chorando. Um amor bom não concorda com tudo que você diz, mas te desafia a pensar de outras maneiras, e sabe reconhecer quando você está certa. Um amor bom gosta, sim, de algumas coisas que você gosta, e de outras não, mas você acaba aprendendo a ampliar suas referências porque troca idéias com ele. Um amor bom erra, e muito, afinal, não é perfeito, mas sabe pedir desculpas. Um amor bom te enche de elogios e declarações apaixonadas, mas também te diz verdades duras que só alguém que te ama muito diria. Um amor bom não faz tudo que você quer, mas faz aquilo que você precisa. Um amor bom não desiste na primeira dificuldade, na primeira discussão, e nem na segunda, na terceira, mas passa pelas crises segurando a sua mão. Um amor bom respeita o seu espaço, e o dele próprio, e não te sufoca, porque sabe que, quando faz você sentir saudade, você fica com mais vontade de amar, e pode viver um pouco sua vida e crescer como pessoa pra continuar sendo uma mulher interessante. Um amor bom abala suas estruturas, coloca em xeque suas certezas e faz você ver que a vida não é controlável, e nem precisa ser. Um amor bom te trata como mulher, não como boneca, na cama, e se sente a vontade pra dizer e fazer tudo que o corpo pede. Um amor bom perde a cabeça por você, e quebra as regras sem fazer isso ser ruim. Um amor bom tem milhares de defeitos, muitos mesmo, e ainda assim consegue fazer você se apaixonar e se manter apaixonada por ele. Você faz coisas inimagináveis ao lado de um amor bom, e se comunica com ele por maneiras que vão além das palavras. Um amor bom não aceita que você dependa dele, não faz tudo por você e nem está a sua disposição, mas torce pelo seu sucesso e te apóia quando você precisa. Um amor bom é seu amigo. O mundo pára pra ouvir um amor bom dizer “eu te amo”, porque um amor bom não diz isso sem ter certeza. Um amor bom não tem medo de sofrimento, porque sabe que um alicerce forte suporta as tempestades. Está escrito na sua testa quando você vive um amor bom. Você fica mais bonita, mais viva, mais sorridente, mais compreensiva, faz planos pro futuro e cresce. E se, pelas adversidades da vida, a separação acontece… O amor bom vai embora sem te destruir. E, passado o susto, você se lembra dele com uma saudade tranquila, de quem viveu o que podia viver. Um amor bom é coisa de gente grande, e esse grande é sinônimo de maturidade e nobreza.

Não gosto do príncipe da Cinderela. Ele é um babaca que nem consegue perguntar o nome da mulher da vida dele e a deixa fugir depois de ter se apaixonado, precisando depois recorrer a um sapatinho pra achá-la. Não gosto também do príncipe da Branca de Neve. Ele é um inútil que não a ajuda a enfrentar a madrasta malvada, e só aparece pra beijá-la quando todo o sofrimento já tinha acontecido, no final da história. Também não gosto do príncipe da Bela Adormecida. Ele luta o tempo todo sozinho, enquanto ela dorme, e depois a beija, como se ela fosse um prêmio por todo o esforço que ele fez.
Em todos esses casos, as princesas não conhecem seus príncipes antes de viverem para sempre com eles.

Mas ADORO a história da Bela e a Fera. No início, ele é uma fera horrenda e amaldiçoada, e ela uma menina bobinha que vive na barra da calça do pai. São obrigados a conviver juntos. Apesar das grosserias, egoísmos e vícios dele, ela descobre o homem bom que há por trás da aparência feia e aprende a amá-lo. E apesar de precisar muito dela, ele prefere que ela esteja feliz a fazer o que ele quer, sabe que a felicidade dele não se compra com o sofrimento dela. É uma história linda. O tempo passa, eles convivem juntos e a cada dia, enquanto se conhecem além do que os olhos podem ver, aprendem a amar um ao outro profundamente. E no final, o beijo de amor transforma a fera em príncipe. É isso que é um amor bom. Ele passa pelo labirinto do auto-conhecimento e do conhecimento mútuo com você. E o final só pode ser feliz…
Ficando juntos para sempre… Ou não.

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